segunda-feira, 14 de julho de 2008

E criança tem algum direito?

Luisa de Marillac e Oto de Quadros
Promotores de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude - MPDFT
Publicado no jornal Correio Braziliense em 13 de julho de 2008.
Aos 18 anos de idade, os brasileiros adquirem, em regra, plena capacidade para gerir sua vida de forma autônoma. É essa idade que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa em julho. É a idade da maioridade para as pessoas. Mas o que significam os 18 anos de uma lei? Será que já deu tempo de ela ser bem conhecida pelos brasileiros adultos, jovens e crianças? Será que ela é cumprida?
É necessário lembrar que uma lei, sozinha, não constrói a realidade. Uma lei é um horizonte, uma meta, um caminho por onde nós escolhemos trilhar para chegar aonde queremos. Nós, quem? Nós, os cidadãos. Sempre que elegemos nossos legisladores (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), autorizamos um grupo reduzido de pessoas a nos representar na elaboração das leis que vão reger nosso País. Dessa forma escolhemos o nosso destino.
Decidimos que queríamos dar mais importância às crianças e adolescentes brasileiros com a Constituição de 1988. Nela estabelecemos que, com absoluta prioridade, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes do Brasil, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, e que família, sociedade e Estado também devem colocar todas as crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O Brasil também assumiu compromissos internacionais garantindo que crianças e adolescentes possuem direitos, e que adota medidas administrativas, legislativas e judiciais para torná-los realidade na vida das pessoas. Junto com 191 países, assinou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989. Existem quatro princípios gerais para a interpretação e a aplicação da Convenção e das normas que garantem direitos: não-discriminação; interesse superior da criança; direito à vida, à sobrevivência máxima e ao desenvolvimento; e oportunidade de ser ouvida e ter a opinião considerada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente repete o mandamento constitucional e explica o que significa a prioridade absoluta. Ele diz que toda criança e todo adolescente devem receber proteção e socorro antes das demais pessoas e devem ser atendidos em primeiro lugar nos serviços públicos ou de relevância pública. Além disso, deve haver preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e devem ser destinados recursos públicos de forma privilegiada para as áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Infelizmente, 18 anos depois da promulgação do Estatuto, a prioridade constitucional ainda não é uma realidade. Além disso, a sociedade brasileira não conhece suficientemente essa lei. Fala-se que é uma lei inadequada para nosso País, que é uma lei de primeiro mundo e para o primeiro mundo. Mas o que queremos não é exatamente o desenvolvimento da nossa sociedade? Não é essa a nossa meta? Por que ter leis que mantenham uma sociedade injusta com suas crianças e adolescentes? Se queremos avançar, temos que ter metas avançadas. O Estatuto da Criança e do Adolescente é, portanto, uma orientação que nos permite os avanços.
Da mesma forma que a Constituição de 1988, a Convenção de 1989 e o Estatuto de 1990 não caíram do céu, mas são frutos da mobilização social, também a defesa e implementação dessas normas depende do compromisso conjunto da cultura jurídica e das forças democráticas presentes na sociedade civil. A ligação entre Direito e democracia não é só teórica, mas também prática. Essa ligação não vive somente nas leis e nas práticas institucionais, mas principalmente nos movimentos sociais e no imaginário coletivo. Por isso, é importante o engajamento da mídia na divulgação e esclarecimentos à população quanto aos direitos humanos das crianças e adolescentes, como instrumento de concretização dessas normas.
Há quem não entenda que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei para TODAS as crianças e TODOS os adolescentes brasileiros. Pensam que é uma lei voltada apenas para os adolescentes que cometem atos infracionais (crimes cometidos por adolescentes) ou, se muito, também para crianças e adolescentes em situação de risco (maus tratos, abandono, etc). É claro que as crianças e adolescentes nessa situação (de conflito com a lei, ou de risco) demandam políticas públicas próprias que estão previstas no Estatuto. São situações que devem acionar um estado de alerta, pois representam perigo para a vida dessas crianças e jovens e para o desenvolvimento da sociedade. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente vai além disso. Ele é uma lei para TODA a infância e juventude. Que tal conhecê-lo?

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