Antes, os dentes, agora o ouvido...
Em matéria do jornal Correio Braziliense publicada em 23 de outubro de 2009, a jornalista Adriana Bernardes informa que o Governador José Roberto Arruda disse que o Estado é responsável por reparar o dano feito, “custe o que custar”, e também “é responsável por investigar o caso e punir exemplarmente todos os responsáveis, sejam eles quem forem”.
Refere-se a matéria ao adolescente César Ferreira, que teve todos os dentes arrancados ao ser atendido no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília. Acerta o Governador ao apontar a responsabilidade do Estado. Erra, no entanto, ao pretender excluir-se do rol dos responsáveis pelo dano cometido.
Presente à reunião no Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente realizada em 21 de outubro de 2009, comentei com alguns conselheiros presentes, que Sua Excelência, o Governador é o primeiro responsável. Em segundo lugar na responsabilidade estão todos os Secretários de Estado do Distrito Federal, começando pelos que controlam a chave do cofre dos recursos públicos.
Depois disso, surgiu a história contada pelo jornalista Rodolfo Borges, no Correio Braziliense de 27 de outubro: um menina com sete anos foi levada para o tristemente quarteirizado Hospital Regional de Santa Maria – HRSM – para operar uma má formação no ouvido direito; Sua Excelência, o médico, sem ler o prontuário, operou o esquerdo; depois, viu que não havia nada e partiu para o correto...
Já tive oportunidade de dizer pessoalmente ao Governador, na única vez em que estive na presença dele, no lançamento público de uma cartilha sobre os Conselhos Tutelares, no Buritinga, em abril de 2008, que a Constituição Federal, a Lei Orgânica do Distrito Federal, e o Estatuto da Criança e do Adolescente precisam ser cumpridos na Capital do Brasil. E não estão sendo cumpridos. É um verdadeiro contrassenso que Brasília tenha sido construída para cumprir a Constituição e o Governador se sinta autorizado a não cumpri-la. É necessário que digamos ao Governador: Arruda, cumpra a Constituição...
Lembrei ao Governador, que a Constituição Federal afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Esse mandamento de observância obrigatória é reproduzido na Lei Orgânica do Distrito Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, no qual ainda dispo-se que, entre outras medidas, a garantia de prioridade compreende a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas destinadas à proteção dos direitos da criança e do adolescente. Nada disso é cumprido em plena Capital do Brasil.
O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente funciona de forma precária. Os Conselhos Tutelares, apenas 10, para mais de dois milhões e seiscentos mil habitantes, estão sobrecarregados em sem estrutura física e de pessoal. Por consequência, a formação continuada sobre o Direito da Criança e do Adolescente determinada pela Resolução 112, de 27 de março de 2006, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, nunca foi iniciada no Distrito Federal.
Nos termos do disposto na mencionada Resolução 112, de 2006, o público destinatário da formação continuada é composto pelos membros de organizações da sociedade civil e do governo, priorizando os atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente: defensorias públicas, delegacias especiais da criança e do adolescente, juízes e promotores de justiça, conselheiros tutelares e dos direitos da criança e do adolescente, polícias civis, militares e comunitárias, equipes interdisciplinares, parlamentares, profissionais de programas protetivos e socioeducativos, lideranças comunitárias, gestores, formadores e trabalhadores das áreas da assistência, educação, cultura, comunicação, saúde e segurança, e organizações que trabalham direta e indiretamente com crianças e adolescentes e são parceiras fundamentais na concretização do Sistema. Crianças, adolescentes e familiares também são prioridade como participantes na formação, em espaços escolares, comunitários entre outros. Alcançaria o dentista e o médico faltosos porque esses profissionais possuem o dever direto de garantir direitos de crianças e adolescentes.
Perguntem ao servidor público dentista responsável pelo atendimento direto de César Ferreira e também ao terceirizado ou quarteirizado médico do HRSM que operou o ouvido sadio da menina de sete anos, se eles tiveram alguma aula sobre Direito da Criança e do Adolescente quando estavam na Faculdade. Ainda que a resposta seja afirmativa, o que se duvida, era dever do Governador ter propiciado formação adequada para que esses servidores públicos não violassem os direitos básicos de César Ferreira e da menina de sete anos, que ainda não sabemos o nome.
A punição ao grave crime cometido contra César Ferreira e contra a menina de sete anos, então, não pode se circunscrever a um diretor de hospital demitido e às consequências criminais individuais a cada uma dos servidores implicados. Há mais gente responsável pelo ilícito.
A César espera-se que sejam restituídos os dentes arrancados indevidamente... Aos responsáveis pelas condutas ilícitas, a punição que merecem, começando por Sua Excelência, o Governador, “custe o que custar”.
Governador, cumpra a Constituição...
Oto de Quadros, Promotor de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude na Capital de todos os brasileiros, em 30 de outubro de 2009.
sábado, 31 de outubro de 2009
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